O caderno Prosa & Verso, do jornal O Globo, deste sábado trazia os comentários sobre o novo livro de Saramago, “Caim”- aquele do mais famoso fratricídio da humanidade. Juan Arias escreve o artigo. Ele que é, inclusive, autor de um livro sobre o Nobel português – “José Saramago – o amor possível” -, além de “A Bíblia e seus segredos” e “Jesus, esse grande desconhecido”.
Comenta Arias que “mais do que a história romanceada de Caim, o escritor aborda em seu livro o absurdo de um deus – sempre registrado com minúscula, por Saramago – que na Bíblia aparece mais cruel e caprichoso que o pior dos homens.”
Ainda segundo Arias, “em todo o texto, no qual Caim é protagonista e narrador das atrocidades do deus bíblico, o irmão de Abel não nega seu crime e aceita sua vida errante como uma espécie de castigo. Não aceita, contudo, ser mais criminoso e cruel que deus. Se ele matou seu irmão – segundo Saramago, na realidade, ele queria matar deus – esse deus cometeu muito mais crimes que ele... A dialética de Caim com deus é impecável: se eu pequei, tu pecaste mais. Se eu matei meu irmão, tu mataste, ou mandaste matar a muitos mais”.
O último parágrafo da análise de Arias é bastante interessante. Escreve ele: “Para Saramago, deus não é mais que um pretexto para que as religiões possam melhor escravizar a consciência humana. Com ‘Caim’, ele trata de deitar, literariamente, sobre o tapete do mundo, esta crua realidade. Ao mesmo tempo, e apesar do seu ateísmo, devemos a ele uma das definições mais poéticas da divindade: ‘Deus é o silêncio do universo, e o homem o grito que dá sentido a esse silêncio’, afirmou ele em certa ocasião. Afinal, deus não é para ele tão indiferente como possa parecer. ‘Caim’, definitivamente, é também um grito contra todos os deuses falsos e ditadores criados para amordaçar o homem, impedindo-o de viver, em total liberdade, sua vida e seu destino”.
Ao lado do artigo sobre o livro, há uma pequena entrevista com o próprio Saramago. Gostaria de citar três das questões feitas, bem como as fortes respostas.
JORNAL: “O Caim que o senhor constrói é a voz da razão, da clareza de raciocínio, mostrando um Deus tão tirano e incompreensível que torna qualquer crença patética. Qual sua intenção ao escrever o livro?”
SARAMAGO: “No fundo, o problema não é um Deus que não existe, mas a religião que o proclama. Denuncio as religiões, todas as religiões, por nocivas à Humanidade. São palavras duras, mas tenho que dizê-las”
JORNAL: “Outros ateus convictos, como Richard Dawkins e Christopher Hitchens vêm dedicando seu tempo a uma cruzada antirreligiosa. Como vê esse movimento?”
Comenta Arias que “mais do que a história romanceada de Caim, o escritor aborda em seu livro o absurdo de um deus – sempre registrado com minúscula, por Saramago – que na Bíblia aparece mais cruel e caprichoso que o pior dos homens.”
Ainda segundo Arias, “em todo o texto, no qual Caim é protagonista e narrador das atrocidades do deus bíblico, o irmão de Abel não nega seu crime e aceita sua vida errante como uma espécie de castigo. Não aceita, contudo, ser mais criminoso e cruel que deus. Se ele matou seu irmão – segundo Saramago, na realidade, ele queria matar deus – esse deus cometeu muito mais crimes que ele... A dialética de Caim com deus é impecável: se eu pequei, tu pecaste mais. Se eu matei meu irmão, tu mataste, ou mandaste matar a muitos mais”.
O último parágrafo da análise de Arias é bastante interessante. Escreve ele: “Para Saramago, deus não é mais que um pretexto para que as religiões possam melhor escravizar a consciência humana. Com ‘Caim’, ele trata de deitar, literariamente, sobre o tapete do mundo, esta crua realidade. Ao mesmo tempo, e apesar do seu ateísmo, devemos a ele uma das definições mais poéticas da divindade: ‘Deus é o silêncio do universo, e o homem o grito que dá sentido a esse silêncio’, afirmou ele em certa ocasião. Afinal, deus não é para ele tão indiferente como possa parecer. ‘Caim’, definitivamente, é também um grito contra todos os deuses falsos e ditadores criados para amordaçar o homem, impedindo-o de viver, em total liberdade, sua vida e seu destino”.
Ao lado do artigo sobre o livro, há uma pequena entrevista com o próprio Saramago. Gostaria de citar três das questões feitas, bem como as fortes respostas.
JORNAL: “O Caim que o senhor constrói é a voz da razão, da clareza de raciocínio, mostrando um Deus tão tirano e incompreensível que torna qualquer crença patética. Qual sua intenção ao escrever o livro?”
SARAMAGO: “No fundo, o problema não é um Deus que não existe, mas a religião que o proclama. Denuncio as religiões, todas as religiões, por nocivas à Humanidade. São palavras duras, mas tenho que dizê-las”
JORNAL: “Outros ateus convictos, como Richard Dawkins e Christopher Hitchens vêm dedicando seu tempo a uma cruzada antirreligiosa. Como vê esse movimento?”
SARAMAGO: “Por mim, não o faria. É praticamente impossível convencer alguém a virar as costas às suas crenças. Limito-me a escrever o que penso do assunto e deixo aos leitores a inteira liberdade de fazer o que entendam. O único que peço para mim é respeito”
JORNAL: “O senhor acredita que ainda é possível a existência de um mundo sem religião? O pessimismo de Caim em relação à Humanidade é também o seu?”
JORNAL: “O senhor acredita que ainda é possível a existência de um mundo sem religião? O pessimismo de Caim em relação à Humanidade é também o seu?”
SARAMAGO: “Penso que não merecemos a vida, penso que as religiões foram e continuam a ser instrumentos de domínio e morte. Em suma, Caim teve razão para tentar impedir que outra humanidade substituísse a que teria morrido no dilúvio. Afinal, se a primeira era má, esta é péssima...”
Entrevista retirada do blog do Ricardo - Spinoza e amigos.
Agora algumas considerações sobre as perguntas. Enquanto Saramago, como bom membro do Partido Comunista, diz que todas as religiões são nocivas à humanidade, eu partilho o ponto de vista de Michel Onfray e restrinjo o caráter nocivo apenas às religiões do eixo judaico-cristão por todos os motivos que vocês, caros leitores, ja devem estar carecas de saber: poder, manipulação, ilusão,distorção, oportunismo de inocências etc. Em relação à última resposta de Saramago, a de que não merecemos a vida, tenho duas objeções. A primeira é sobre a relevância da afirmação, penso ser irrelevante se merecemos ou não a vida, o fato é que a temos e, uma vez nesta condição, temos que fazer o melhor possível dela, com o que temos em mãos. A segunda é em relação às implicações: a afirmação de que não merecemos a vida me soa um tanto quanto metafísica. Falar em merecimento da vida automaticamente me traz a noção de alguma coisa que nos foi dada, neste caso, a vida só pode ter sido dada se admitirmos a existência de um ser superior, responsável pela vida, que nos deu algo que não merecemos. Caso não exista deus algum, a vida que temos não pode ser medida em termos de merecimento. Não sei se me fiz claro.
De qualquer modo, coloco o livro na minha lista de "a serem lidos" e prometo colocar minhas impressões aqui.