terça-feira, 15 de setembro de 2009

Hey Jude e o encanto

Olá,
esse é um blog de filosofia, com conteúdo filosófico e semelhantes. Exatamente por isso não pude deixar de dividir este vídeo com vocês, leitores. Filosofia trata de encanto. O próprio ato de pensar se inicia com o espanto para com o mundo que gera os questionamentos. Aí a filosofia é imais do que entendida, é incorporada à nossa vida como uma atitude, uma postura para olhar o mundo, algo muito além de uma disciplina curricular, que 50 minutos semanais não ensinam nem a pau. Mas ainda resta a chance de mostrar o encanto, de des-velar uma presença que está velada, afogada e deturpada na de-cadência do homem de hoje.
Aí que entra esse vídeo que me arrepiou até a palma da mão. Uma mensagem no seu celular, de sua operadora :"Esteja na Trafalgar Square, dia 30/04 as 6pm". As 13.500 pessoas reunidas não faziam ideia do que se desenrolaria no lugar. Cada uma recebe um microfone e a beleza se mostra:

E uma tremenda ação de marketing, diga-se de passagem. Mas belo o bastante para pensarmos sobre as pausas necessárias na correria do cotidiano e sobre a real necessidade de fazer tudo o que fazemos.
"O Ser se revela àquele que escuta" Heidegger

domingo, 13 de setembro de 2009

Mamonas assassinas e a filosofia

 Retirado do blog Filosofia e vida do Prof. Francisco de Santo André!
Obrigado pela dica colega!


Olá a todos!
Obrigado pelas visitas recentes! Comentem mais.
Para aprendermos um pouco sobre características da filosofia, vamos voltar no tempo e cantar Mamonas Assassinas, aqueles que faziam eu rachar o bico todo domingo no Faustão e cantar letras que eu não tinha muita noção do significado.

Original: Sábado de sol / Mamonas Assassinas

Filosofia busca
fundamentação.
Da realidade
quer compreensão.

É rigorosa,
na reflexão.
Abre nossos olhos,
contra alienação.

Sócrates, Platão
Nietzsche e o tal Zenão,
são filósofos
que fugiram da prisão.

De qual? do quê?
Da falta de noção.
Para onde foram?
Usar a razão!!!
Música:Professor Ricardo M. / Blumenau
Ao som de: Mamonas Assassinas - Sábado de sol

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Definição de Filosofia

Sempre, ao final de minhas aulas, me perguntam "o que faz um filósofo?" "Há campo de trabalho para um filósofo?". Na próxima vez vou responder dando um cartão com o presente link.
A imagem:
Bem que eu poderia ser aquele filósofo clássico cujo melhor amigo era o ócio. Aristocrata com orgulho.
Ao som de: Sinal da última aula de sexta feira a noite - E.E. Major Alvim

Filosofia em quadrinhos

Quadrinhos do tipo Sandman, V de Vingança ou Watchmen são conhecidos e famosos por -além de seus méritos artísticos- propiciarem reflexões dignas em formas alternativas de linguagens que não as linhas de um livro. Agora estes encontram companhia nas prateleiras pensantes. Uma coleção de quadrinhos lançada há pouco tempo leva obras como "O Príncipe" de Maquiavel para os quadrinhos. Também farão parte desta coleção: "A Utopia" de Tomas Moore, "Cândido" de Voltaire, "Elogio da loucura" de Rotterdam e outros 6 volumes relacionados a acontecimentos históricos.


O que pode fazer torcer o nariz de alguns conservadores preocupados com a banalização e simplificação da filosofia é um poderoso recurso didático e de divulgação filosófica.


O interessante e inusitado em passar filosofia em forma de quadrinhos é que é uma linguagem diversificada que é muito mais direta em passar emoções e dramaticidades não presentes nas obras originais, atraindo assim, leitores que não estariam dispostos a uma leitura densa e complicada das obras no original. 
Essa nova emoção gerada pelas HQs deve servir apenas como uma fonte de pesquisa que não se esgota nesta leitura. Toda adaptação é um corte e a transposição do livro para a HQ também limita a beleza do texto original e seu desenrolar lógico. Mas pode servir como uma porta a um novo mundo, um incentivo à leituras originais e diferenciadas. Assim como o leitor de Machado hoje é o leitor de Cebolinha há 10 anos. Agora os nerds não têm mais desculpa!!









Imagem de "Maquiavel", já disponível em versão quadrinhos.

Ao som de: Dog Fashion Disco - Leper Friend

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Cine filô





 





Hoje começo a postar sobre materiais filosóficos: livros, filmes, grandes obras e eventos. A ideia é divulgar o pensamento filosófico e mostrar que a filosofia ainda é viva e contemporânea; Disseminar informação e cultura filosófica.

De início, uma entrevista realizada com Ollivier Pourriol, autor do livro "Cine Filô".
Acreditando piamente que a sala escura do cinema permite a rara fusão entre imaginação e racionalidade, o francês Ollivier Pourriol teve uma idéia inusitada: ensinar filosofia através de enredos de filmes cultuados no mundo inteiro. Que tal aprendercom Brad Pitt, Tom Cruise, Bruce Willis e Christopher Lambert? O Clube da Luta, por exemplo, leva a um saboroso debate sobre a liberdade; Colateral é pretexto para salientar noções de método; O sexto sentido remete às fronteiras entre consciência e percepção. Assim, por meio de personagens da cultura pop, com seus dilemas contemporâneos, questões tradicionalmente consideradas “difíceis” chegam até o leitor leigo de forma compreensível, envolvente e sem banalizações. A filosofia se torna finalmente um conhecimento ao alcance de todos.

Como foi sua trajetória profissional?
Liceu Louis-le-Grand, em Paris, depois École Normale Supérieure (rua d’Ulm). Licenciatura em filosofia. Mestrado e doutorado em filosofia (Sorbonne-Paris IV) sobre a filosofia de Alain.
Como surgiu a idéia de ensinar filosofia com a ajuda do cinema?
Comecei a utilizar o cinema em sala de aula no último ano do colegial, depois continuei numa sala de cinema. Foi uma experiência, iniciada em 2006, no cineclube MK2 da Biblioteca de Paris. O sucesso foi imediato e me permitiu realizar quatro séries de conferências. Não se trata simplesmente de ensinar filosofia por meio do cinema, mas de confrontar cinema e filosofia. Muitas vezes, é o cinema que nos esclarece sobre a filosofia, graças ao seu poder de identificação.
Por que escolheu trabalhar com a filosofia de Descartes e Spinoza?
Comecei por Descartes e Spinoza, pois ambos buscaram um meio de universalizar seu pensamento ao lhe conferir uma forma democrática. Democrática não quer dizer fácil, mas acessível. Descartes escreveu em francês em vez de usar o latim. E Spinoza escreveu à maneira dos geômetras, more geometrico. Escolhi-os também porque Descartes e Spinoza utilizam a metáfora do olho e da visão para falar da atividade do espírito. Descartes fala de intuição, de ideia clara e distinta, da luz da razão... Spinoza diz, acerca das demonstrações, que elas são “os olhos da alma”. Eu quis “ver” se essa metáfora devia ser levada a sério e se podia ser fecunda, por exemplo, para compreender os movimentos de câmera no cinema. Não se pode dizer que Descartes privilegie a razão e Spinoza, a emoção. Spinoza é tão racionalista quanto Descartes. O que é interessante é que Descartes é um filósofo da liberdade, ao passo que Spinoza é um filósofo da necessidade. Quis explorar essa dissonância e dar-lhe vida através do cinema.
Por outro lado, esse livro é a primeira etapa de um projeto mais amplo, uma vez que há quatro anos venho trabalhando igualmente com Hegel, Kant, Rousseau, Alain, Michel Foucault, René Girard, Michel Serres... e sobre temas como a representação das catástrofes, a manipulação na democracia, a saúde, a criação nas ciências e na arte...
Como os filmes são usados no ensino de filosofia? Cada um é associado a um conceito distinto? O senhor poderia dar um exemplo?
Em Colateral, de Michael Mann, Tom Cruise personifica um matador profissional. Há uma cena numa boate em que cada movimento de câmera corresponde a um preceito do método cartesiano: ideia clara e distinta (do desfocado à definição), divisão da dificuldade (zoom), invenção de uma ordem não natural (montagem), enumeração (panorâmica). É delicado resumir, ainda mais sem estar assistindo ao filme, e eis por que no livro proponho uma montagem de trechos de filmes com descrições e diálogos, numa ordem que permite construir a ideia.
Ao som de: Man in the Box - Alice in Chains

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Entre Deus e o Diabo




Propício para questionarmos a perfeição, colocarmos na balança os modelos de vida e os valores contemporâneos da pós-modernidade. Será essa perfeição tão perfeita assim? Teremos mesmo, nós humanos, que almejar construir uma vida perfeita? Casinha simples, um cachorro, piano com flores e margarina sem sal de manhã? Isso não seria almejar parecer ter uma vida perfeita aos olhos alheios? O que realmente importa? O que mais importa?


"Como Deus é piedoso, dele aprendo a humildade, como o Diabo é infeliz, dele aprendo a vaidade. Ambos são improváveis, por isso merecem nossa fé."

Texto de Luiz Felipe Pondé, na Folha dia 31/08/09.

"O habitat natural da alma é viver entre Deus e o Diabo. Sem esse combate, a alma se dissolve em pequenas manias diárias e fica pequena.
Uma das faces da miséria humana é a vaidade, e a vaidade quer agradar. Como diz a escritora portuguesa Agustina Bessa-Luís, hoje todo mundo quer agradar, o professor, o artista, o metafísico. Sua tese é que no fundo deste desejo de agradar está o trauma infantil do desamparo que nos afeta a todos. Ao tentar agradar, buscamos fugir do medo do desamparo. Quando o intelectual é afetado por este desejo, ele se transforma numa máquina de repetição de unanimidades a fim de agradar a opinião pública.
Também morro de medo, como não? Ainda mais hoje, quando agradar é um conceito cientifico na sociedade de mercado. Quando atingida pela unanimidade, a opinião pública torna o ar irrespirável. Segundo a ciência da opinião pública, discordar dela é suicídio.
A partir de sua pequena janela, em seu pequeno apartamento de classe média, onde a televisão reproduz um desses programas alegres de domingo, nossa heroína, a opinião pública, contempla sua criação. Com uma lupa, vasculha o mundo, em busca de um vírus que justifique cientificamente seu medo.
Até o Diabo fica pálido diante dessa moradora de apartamento de classe média, que vasculha o mundo com sua lupa. O Diabo se esconde, sentindo-se finalmente derrotado, com as faces vermelhas de pudor.
Há medos e medos. Há medos que nos engrandecem e medos que nos humilham. O medo de Hamlet nos engrandece: afinal, seria eu, no fundo, uma caveira vazia? Ou seria eu uma alma cega, que, mesmo sendo, no fundo, uma caveira vazia, pressente a presença de seu criador e o persegue arrastando-se pelo chão?
O medo de quem grita nas farmácias em busca de álcool gel nos humilha. Os olhos de um chimpanzé dentro de sua cela no zoológico são mais humanos do que a obsessão de quem lava as mãos a cada segundo.
Tanto o professor, quanto o artista, o metafísico, são obrigados a seguir o roteiro da concepção de vida medíocre da classe média em que só pode ser dito o que "agrega valor à vida". Cuidado! Os olhos da moradora do apartamento enxergam tudo o que se move em sua criação. E nela, todos devem ter seus orçamentos equilibrados.
O professor deve ver diante de si alguém que, por definição, nunca erra, e se preocupar com sua autoestima, o artista deve pintar o rosto do pequeno deus miserável que sonhamos ter dentro de nós, o metafísico, este coitado, vira escravo de um universo que deve estar a nossa disposição a cada segundo resolvendo até nossos crediários.
Confesso: eu não tenho uma concepção de vida, sou um coitado. Vejo a vida como Pepi, a faxineira do romance de Kafka "O Castelo". Pelo buraco de uma fechadura, vejo a vida e seus muitos vultos aos pedaços, arrastando-se pelas paredes. A duras penas pressinto suas formas. Muitas vezes estremeço quando as pressinto mais agudamente.
Já tentei ter uma concepção de vida, mas desisti e hoje, como diz o filósofo romeno Cioran (século 20), eu acho que grande parte dos problemas do mundo advém da praga que é todo mundo querer ter uma concepção de vida. Quando estou diante de alguém que tem uma concepção de vida, recuo assim como quem recua de um predador. A certeza acerca do que seja uma vida plena me apavora. Antigamente apenas alguns poucos eram tomados por esta febre, mas hoje, como vivemos no mundo das grandes quantidades, todos se acham no direito de ter concepções de vida.
A indiferença faria do mundo, talvez, um lugar melhor. Mas sei que isso é difícil de ser compreendido por quem se vê como um agente do bem, a partir de seu pequeno apartamento de classe média, ao som de seu programa alegre de domingo. Quem assim se vê normalmente não tem qualquer piedade.
Nessas horas, sinto saudades de Deus e daquele tipo de santo que vivia o dilaceramento de quem se vê tragado, de um lado, pela graça de Deus, e, do outro, por sua natureza orgulhosa, que se revolta contra os elementos naturais, apenas porque eles lhe são indiferentes.
Há uma luta entre Deus e o Diabo e seu palco é o coração humano, nos diz Dimitri Karamazov, um dos heróis de Dostoiévski. O habitat natural da alma é viver entre Deus e o Diabo. Como Deus é piedoso, dele aprendo a humildade, como o Diabo é infeliz, dele aprendo a vaidade. Ambos são improváveis, por isso merecem nossa fé."


Ao som de - Hino Nacional Brasileiro - Vanusa

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Ritos corporais entre os Nacirema




O antropólogo está tão familiarizado com a diversidade das formas de comportamento que diferentes povos apresentam em situações semelhantes, que é incapaz de surpreender-se mesmo em face dos costumes mais exóticos. De fato, se nem todas as as combinações logicamente possíveis de comportamento foram ainda descobertas, o antropólogo bem pode conjecturar que elas devam existir em alguma tribo ainda não descrita.

Deste ponto de vista, as crenças e práticas mágicas dos Nacirema apresentam aspectos tão inusitados que parece apropriado descrevê-los como exemplo dos extremos a que pode chegar o comportamento humano. Foi o Professor Linton, em 1936, o primeiro a chamar a atenção dos antropólogos para os rituais dos Nacirema, mas a cultura desse povo permanece insuficientemente compreendida ainda hoje.

Trata-se de um grupo norte-americano que vive no território entre os Cree do Canadá, os Yaqui e os Tarahumare do México, e os Carib e Arawak das Antilhas. Pouco se sabe sobre sua origem, embora a tradição relate que vieram do leste. Conforme a mitologia dos Nacirema, um herói cultural, Notgnihsaw, deu origem à sua nação; ele é, por outro lado, conhecido por duas façanhas de força: ter atirado um colar de conchas, usado pelos Nacirema como dinheiro, através do rio Po- To- Mac e ter derrubado uma cerejeira na qual residiria o Espírito da Verdade.
A cultura Nacirema caracteriza-se por uma economia de mercado altamente desenvolvida, que evolui em um rico habitat. Apesar do povo dedicar muito do seu tempo às atividades econômicas, uma grande parte dos frutos deste trabalho e uma considerável porção do dia são dispensados em atividades rituais. O foco destas atividades é o corpo humano, cuja aparência e saúde surgem como o interesse dominante no ethos deste povo. Embora tal tipo de interesse não seja, por certo, raro, seus aspectos cerimoniais e a filosofia a eles associadas são singulares.

A crença fundamental subjacente a todo o sistema parece ser a de que o corpo humano é repugnante e que sua tendência natural é para a debilidade e a doença. Encarcerado em tal corpo, a única esperança do homem é desviar estas características através do uso das poderosas influências do ritual e do cerimonial. Cada moradia tem um ou mais santuários devotados a este propósito. Os indivíduos mais poderosos desta sociedade têm muitos santuários em suas casas e, de fato, a alusão à opulência de uma casa, muito freqüentemente, é feita em termos do número de tais centros rituais que possua. Muitas casas são construções de madeira, toscamente pintadas, mas as câmeras de culto das mais ricas têm paredes de pedra. As famílias mais pobres imitam as ricas, aplicando placas de cerâmica às paredes de seu santuário.

O ritual do corpo executado diariamente por cada Nacirema inclui um rito bucal. Apesar de serem tão escrupulosos no cuidado bucal, este rito envolve uma prática que choca o estrangeiro não iniciado, que só pode considerá-lo revoltante. Foi-me relatado que o ritual consiste na inserção de um pequeno feixe de cerdas de porco na boca juntamente com certos pós mágicos, e em movimentá-lo então numa série de gestos altamente formalizados. Além do ritual bucal privado, as pessoas procuram o sacerdote-da-boca uma ou duas vezes ao ano. Estes profissionais têm uma impressionante coleção de instrumentos, consistindo de brocas, furadores, sondas e aguilhões. O uso destes objetos no exorcismo dos demônios bucais envolve, para o cliente, uma tortura ritual quase inacreditável. O sacerdote-da-boca abre a boca do cliente e, usando os instrumentos acima citados, alarga todas as cavidades que a degeneração possa ter produzido nos dentes. Nestas cavidades são colocadas substâncias mágicas. Caso não existam cavidades naturais nos dentes, grandes seções de um ou mais dentes são extirpadas para que a substância natural possa ser aplicada. Do ponto de vista do cliente, o propósito destas aplicações é tolher a degeneração e atrair amigos. O caráter extremamente sagrado e tradicional do rito evidencia-se pelo fato de os nativos voltarem ao sacerdote-da-boca ano após ano, não obstante o fato de seus dentes continuarem a degenerar.

Esperemos que quando for realizado um estudo completo dos Nacirema haja um inquérito cuidadoso sobre a estrutura da personalidade destas pessoas, Basta observar o fulgor nos olhos de um sacerdote-da- boca, quando ele enfia um furador num nervo exposto, para se suspeitar que este rito envolve certa dose de sadismo. Se isto puder ser provado, teremos um modelo muito interessante, pois a maioria da população demonstra tendências masoquistas bem definidas.

Foi a estas tendências que o Prof. Linton (1936) se referiu na discussão de uma parte específica dos ritos corporal que é desempenhada apenas por homens. Esta parte do rito envolve raspar e lacerar a superfície da face com um instrumento afiado. Ritos especificamente femininos têm lugar apenas quatro vezes durante cada mês lunar, mas o que lhes falta em freqüência é compensado em barbaridade. Como parte desta cerimônia, as mulheres usam colocar suas cabeças em pequenos fornos por cerca de uma hora. O aspecto teoricamente interessante é que um povo que parece ser preponderantemente masoquista tenha desenvolvido especialistas sádicos.

Os médicos-feiticeiros têm um templo imponente, ou latipsoh, em cada comunidade de certo porte. As cerimônias mais elaboradas, necessárias para tratar de pacientes muito doentes, só podem ser executadas neste templo. Estas cerimônias envolvem não apenas o taumaturgo, mas um grupo permanente de vestais que, com roupas e toucados específicos, movimentam-se serenamente pelas câmaras do templo.

As cerimonias latipsoh são tão cruéis que é de surpreender que uma boa proporção de nativos realmente doentes que entram no templo se recuperem. Sabe-se que as crianças pequenas, cuja doutrinação ainda é incompleta, resistem às tentativas de levá-las ao templo, porque "é lá que se vai para morrer". Apesar disto, adultos doentes não apenas querem, mas anseiam por sofrer os prolongados rituais de purificação, quando possuem recursos para tanto. Não importa quão doente esteja o suplicante ou quão grave seja a emergência, os guardiões de muitos templos não admitirão um cliente se ele não puder dar uma dádiva valiosa para a administração. Mesmo depois de ter-se conseguido a admissão, e sobrevivido às cerimônias, os guardiães não permitirão ao neófito abandonar o local se ele não fizer outra doação.

O suplicante que entra no templo é primeiramente despido de todas as suas roupas. Na vida cotidiana o Nacirema evita a exposição de seu corpo e de suas funções naturais. As atividades excretoras e o banho, enquanto parte dos ritos corporais, são realizados apenas no segredo do santuário doméstico. Da perda súbita do segredo do corpo quando da entrada no latipsoh, podem resultar traumas psicológicos. Um homem, cuja própria esposa nunca o viu em um ato excretor, acha-se subitamente nu e auxiliado por uma vestal, enquanto executa suas funções naturais num recipiente sagrado. Este tipo de tratamento cerimonial é necessário porque os excreta são usados por um adivinho para averiguar o curso e a natureza da enfermidade do cliente. Clientes do sexo feminino, por sua vez, têm seus corpos nus submetidos ao escrutínio, manipulação e aguilhadas dos médicos-feiticeiros.

Resta ainda um outro tipo de profissional, conhecido como um "ouvinte". Este "doutor-bruxo" tem o poder de exorcizar os demônios que se alojam nas cabeças das pessoas enfeitiçadas. Os Nacirema acreditam que os pais enfeitiçam seus próprios filhos; particularmente, teme-se que as mães lancem uma maldição sobre as crianças enquanto lhes ensinam os ritos corporais secretos. A contra-magia do doutor bruxo é inusitada por sua carência de ritual. O paciente simplesmente conta ao "ouvinte" todos os seus problemas e temores, principalmente pelas dificuldades iniciais que consegue rememorar. A memória demonstrada pelos Nacirema nestas sessões de exorcismo é verdadeiramente notável. Não é incomum um paciente deplorar a rejeição que sentiu, quando bebê, ao ser desmamado, e uns poucos indivíduos reportam a origem de seus problemas aos feitos traumáticos de seu próprio nascimento.

Como conclusão, deve-se fazer referência a certas práticas que têm suas bases na estética nativa, mas que decorrem da aversão profunda ao corpo natural e suas funções. Existem jejuns rituais para tornar magras pessoas gordas, e banquetes cerimoniais para tornar gordas pessoas magras. Outros ritos são usados para tornar maiores os seios das mulheres que os têm pequenos e torná-los menores quando são grandes. A insatisfação geral com o tamanho do seio é simbolizada no fato de a forma ideal estar virtualmente além da escala de variação humana. Umas poucas mulheres, dotadas de um desenvolvimento hipermamário quase inumano, são tão idolatradas que podem levar uma boa vida simplesmente indo de cidade em cidade e permitindo aos embasbacados nativos, em troca de uma taxa, contemplarem-nos.

Já fizemos referência ao fato de que as funções excretoras são ritualizadas, rotinizadas e relegadas ao segredo. As funções naturais de reprodução são, da mesma forma, distorcidas. O intercurso sexual é tabu enquanto assunto, e é programado enquanto ato. São feitos esforços para evitar a gravidez, pelo uso de substâncias mágicas ou pela limitação do intercurso sexual a certas fases da lua. A concepção é na realidade, pouco freqüente. Quando grávidas as mulheres vestem-se de modo a esconder o estado. O parto tem lugar em segredo, sem amigos ou parentes para ajudar, e a maioria das mulheres não amamenta seus rebentos.

Nossa análise da vida ritual dos Nacirema certamente demonstrou ser este povo dominado pela crença na magia. É difícil compreender como tal povo conseguiu sobreviver por tão longo tempo sob a carga que impôs sobre si mesmo. Mas até costumes tão exóticos quanto estes aqui descritos ganham seu real significado quando são encarados sob o ângulo relevado por Malinowski, quando escreveu:
"Olhando de longe e de cima de nossos altos postos de segurança na civilização desenvolvida, é fácil perceber toda a crueza e irrelevância da magia. Mas sem seu poder de orientação, o homem primitivo não poderia ter dominado, como o fêz, suas dificuldades práticas, nem poderia ter avançado aos estágios mais altos da civilização"

(nota: para quem não percebeu, Nacirema é American, de trás para a frente)